Mensurando o ROI do Change Management (2/2)

Paulo Assunção
10 min readSep 13, 2021

No primeiro artigo, cuja leitura recomendo para que este faça sentido, compartilhei a minha experiência na criação de um modelo para a avaliação do Retorno de Investimento (ROI) da aplicação de uma abordagem de Change Management em um grande projeto.

Ao final, ficou claro que o modelo sugerido possui diversos parâmetros cuja estimativa de valores pode gerar controvérsias e insegurança no seu uso. Na experiência particular que motivou a criação do modelo não foi diferente e é minha intenção neste artigo mostrar como lidei com a questão à época e como você poderá fazer o mesmo.

Conhecendo Monte Carlo

Cassino de Monte Carlo, Principado de Mônaco (Fonte: https://bit.ly/3kBECjR)

O Monte Carlo ao qual me refiro no título dessa sessão não é o distrito monegasco famoso por seu cassino de mesmo nome e o Grand Prix mais tradicional da Fórmula 1, mas a Simulação de Monte Carlo. Vamos conhecê-la.

Dito de uma maneira direta, a Simulação de Monte Carlo é um método para avaliar a probabilidade de ocorrência de resultados de interesse de um processo sobre o qual há a influência de variáveis aleatórias. Em uma imagem:

A Simulação de Monte Carlo nos permite determinar a probabilidade de ocorrência de um resultado de interesse em um modelo de processo submetido a entradas aleatórias (parâmetros)

“Por que Monte Carlo?”, você pode estar se perguntando. Como muitos avanços científicos e tecnológicos conseguidos por pesquisadores trabalhando em um contexto militar, no caso o Projeto Manhattan, onde foi desenvolvido, o Método de Monte Carlo foi considerado um classified topic, ou seja, um tema a ser mantido em segredo. Sendo assim, era preciso criar um codinome para fazer referência (em documentos, comunicações, etc.) ao método e o nome do mais famoso cassino de Mônaco foi escolhido por Stanislaw Ulam, um dos seus criadores e cujo tio era assíduo frequentador do cassino de Monte Carlo, sendo até hoje utilizado. Vejamos um exemplo.

Suponhamos que uma rede de sorveterias localizada em Curitiba deseja abrir a sua primeira loja em um Shopping Center. É um passo importante para a empresa, cuja estratégia de abrir unidades em bairros residenciais de classe média alta lhe garantiu um crescimento acelerado nos seus primeiros 3 anos de operação. O investimento é relevante e a concorrência muito mais qualificada. Por isso, os gestores da empresa resolveram contratar uma consultoria para avaliar os riscos da empreitada. Sócios e gestores se perguntam:

“Esse investimento é viável? Vale mesmo a pena para nós?”

Para avaliar a viabilidade, os consultores (1) partiram das seguintes informações fornecidas pela empresa, tomadas como premissas:

  • A unidade é viável e valerá a pena se entregar ao menos +20% de margem líquida ao final do período (ano);
  • O negócio de sorvetes é sazonal, tendo picos de demanda nas estações mais quentes do ano e uma redução relativa de faturamento no Outono e Inverno (-30%, em média);
  • No mesmo Shopping onde os sócios planejam abrir a loja, já operam 2 concorrentes diretos.

e (2) modelaram o problema por meio de uma DRE (Demonstração de Resultados do Exercício), conforme mostrado abaixo:

Modelo desenvolvido para análise de viabilidade (Exemplo da Sorveteria)

cujos parâmetros são mostrados na tabela a seguir:

Modelo desenvolvido para análise de viabilidade (Exemplo da Sorveteria)

Observe que, na tabela de parâmetros desse modelo, existem duas grandes interrogações, destacadas em amarelo:

  • Quantas bolas de sorvete serão vendidas?
  • Quantos milk shakes serão vendidos?

Essas são as informação sobre as quais pairavam incertezas. Em outras palavras, são o que em Matemática conhecemos como Variáveis Aleatórias. Antes de entrar nos detalhes de como a Simulação de Monte Carlo é empregada nessas situações, façamos uma breve descrição da tabela de parâmetros para facilitar o seu entendimento.

A tabela de parâmetros nos mostra que, com base em dados históricos de outras unidades da sorveteria:

  • 45% das bolas de sorvete costumam ser da linha “Classic” (sorvetes tradicionais como chocolate, morango, coco, etc.), 40% da linha Frutale (sorvetes de frutas típicas do Brasil) e 15% da linha Gourmet (sorvetes feitos com ingredientes nobres e/ou exóticos). Os custos de cada unidade vendida dessas linhas são dados na tabela de parâmetros em valores percentuais do seu preço unitário;
  • O aluguel no Shopping é cobrado por m2 e o tamanho da loja será de 9 m2. A empresa pagará, além do aluguel e da taxa de condomínio, 15% do valor do seu aluguel por mês ao Shopping a título de “Taxa de Promoção” (valor cobrado para publicidade e atração de visitantes);
  • A equipe de funcionários desta nova unidade da empresa terá 5 atendentes (responsáveis por servir os clientes) e 2 coordenadores (responsáveis por gerenciar a unidade, operar o caixa e apoiar os atendentes em momentos de pico) que se revezarão em turnos de 6 horas do tipo 6 x 1;
  • Serão investidos R$ 100.000,00 para decorar e equipar a loja com freezers, eletrodomésticos, mobiliário, computadores, etc. Esse valor se depreciará durante 10 anos a uma taxa anual de 10%;
  • Foi considerado um percentual de 15% de impostos sobre a receita, um valor arbitrado, mas que não impede a demonstração do método;

Além disso, os consultores consideraram que a unidade não pagaria juros, visto que todo o capital investido seria próprio, nem teria receita oriunda da venda de ativos, dado que se trata de uma nova unidade.

Finalmente, os consultores realizaram uma projeção de vendas, por meio dos dados de visitantes do Shopping, observação do movimento dos concorrentes, pesquisa de mercado e análise de dados de vendas das demais unidades, e estimaram que a nova unidade venderia cerca de 20.000 bolas de sorvete em casquinhas e 3.000 milk shakes por mês (de pico). Esses valores garantiriam uma margem líquida, segundo o modelo criado, de +33.7%, o que viabilizaria o negócio. Como já sabemos, o problema é que essas variáveis são aleatórias e não existem garantias que o resultado será exatamente esse, podendo ser maior ou menor. Sendo assim, os consultores também consideraram essas variáveis aleatórias como possuidoras de uma distribuição normal, conforme mostrado abaixo:

Distribuição de Probabilidade da estimativa de bolas de sorvete vendidas nos meses de pico
Distribuição de Probabilidade da estimativa de milk shakes vendidos nos meses de pico

Naturalmente, a modelagem dessas variáveis por distribuições normais é uma aproximação teórica, mas que faz todo sentido. É perfeitamente razoável considerar que, em torno de um valor mais provável, 20.000 bolas de sorvete, neste caso, há um descréscimo na probabilidade associada à estimativa de vendas quando a mesma diminui. É assim até que a estimativa atinja um valor tão pequeno cuja ocorrência seja improvável (em condições normais de operação do negócio, podemos afirmar seguramente que vender apenas 100 bolas de sorvete em um mês de pico é algo praticamente impossível, logo com probabilidade tendendo a zero, portanto). Raciocínio análogo temos para a metade superior da distribuição. Também é admissivel considerar que a probabilidade vai diminuindo com o aumento da estimativa do número de bolas de sorvete vendidas até que um certo valor, bem maior que 20.000, nesse caso, tenha uma probabilidade desprezível de ocorrer.

Sendo assim, é possível, finalmente, realizar a Simulação de Monte Carlo, que, neste exemplo, consiste em aplicar no modelo criado uma série de combinações de valores possíveis do número de bolas de sorvetes e milk shakes vendidos nos meses de pico para obter a margem líquida resultante. Para a simulação, os consultores geraram 100.000 combinações de valores das variáveis aleatórias produzidos no Excel através da ferramenta “Random Number Generation” do Add-In “Data Analysis” localizado no Ribbon (aba) “Data” (caso não encontre essa opção, visite esse link), conforme vemos abaixo:

Acessando a ferramenta “Random Number Generation” do Excel
Gerando estimativas para o número de bolas de sorvete vendidas em um mês de pico
Gerando estimativas para o número de milk shakes vendidos em um mês de pico

Nota: a ferramenta “Random Number Generation” só produz 30.000 números aleatórios a cada execução. Portanto, para gerar 100.000 valores aleatórios para cada variável aleatória do modelo, foi preciso executá-la 4 vezes (3 x 30.000 + 1 x 10.000).

Com as combinações geradas para as duas variáveis aleatórias, os consultores descobriram que a probabilidade da Margem Líquida ficar acima do threshold de viabilidade (+20%) era de 81.5%, um valor interessante.

Simulação de Monte Carlo implementada no Excel (somente algumas linhas)

Sendo assim, para finalizar essa longa digressão e retomar a análise do ROI para um abordagem de Change Management, tema desse artigo, vale destacar que o uso da Simulação de Monte Carlo não elimina os riscos de uma empreitada envolvendo fatores que não podemos determinar com exatidão. Em tais cirscunstâncias, a aleatoriedade intrínseca do problema sempre nos permitirá falar exclusivamente acerca de probabilidades. Ou seja, sempre haverá um risco embutido na decisão a ser tomada, sendo a possibilidade de mensurá-lo e experimentar cenários alternativos, para parâmetros que podemos controlar como preço e despesas, por exemplo, as verdadeiras vantagens conseguidas com o método.

Neste caso, o que foi descoberto pelos consultores através da simulação é que havia uma chance de 81.5% da nova unidade gerar uma margem líquida acima da mínima desejada, consideradas as premissas originais, parâmetros conhecidos a priori, distribuições de probabilidade das estimativas de bolas de sorvete e milk shakes vendidos e a própria estrutura do modelo (que foi simplificado para fins desse exemplo) como corretos ou, ao menos, razoáveis.

Avaliando o risco do ROI do Change Management

Qual a chance de nosso modelo levar a uma decisão incorreta?

Agora que temos um entendimento compartilhado do Método de Simulação de Monte Carlo, vamos voltar ao modelo que criamos para avaliar o ROI do Change Management. Ficou claro do artigo anterior que foram escolhidos, em avaliação conjunta com o cliente e sempre com prudência, valores mais prováveis para alguns parâmetros do modelo cujo conhecimento a priori é impossível. Ou seja, mais uma vez estamos falando de variáveis intrinsicamente aleatórias.

No modelo apresentado, são elas (com os valores escolhidos à epóca):

[F] Fator de produtividade de novos funcionários (em %): 80%

[Fator de perda (involuntária de funcionários)]: 2%

[G] Percentual estimado da redução de desperdícios: 15%

[H] Total de anos que o projeto poderia atrasar: 1 ano

[M] Percentual dos benefícios que se espera capturar sob risco de perda: 10%

[O] Homens x hora dedicadas pelos recursos da organização às atividades de Gestão de Mudança: 5% (da força de trabalho impactada pela mudança) x 20% x 8 (horas de trabalho diárias) x duração da transformação (1 ano)

[P] Fator de impacto do atraso estimado nas atividades: 1.5

Modelando essas variáveis aleatórias como possuidoras de uma distribuição normal e utilizando o Método de Monte Carlo, tivemos a condição de avaliar o impacto sobre o ROI se os valores dessas variáveis fossem diferentes das estimativas realizadas. Na imagem abaixo, vemos uma parte do modelo criado em Excel na ocasião (todas as células da planilha estão preenchidas, mas, por razões óbvias, as informação do cliente foram aqui omitidas):

Parametrização das variáveis aleatórias [O] e [P] para Simulação de Monte Carlo

Notamos na imagem acima os valores escolhidos para os desvios-padrão das distribuições normais escolhidas para modelar os parâmetros [O] (0.5% e 5.0%) e [P] (0.25), partes da definição da parcela [CPPE] (Custo da Perda de Produtividade da Equipe do Projeto) do Custo Potencial da Decisão. Note que os valores originalmente considerados em consenso com o cliente foram tomados como as médias das distribuições normais correspondentes. Na imagem abaixo vemos uma parte das combinações geradas via “Random Number Generation” para as variáveis aleatórias do modelo (colunas azuis), os fatos conhecidos (colunas verdes, aqui omitidos) e os valores calculados (colunas amarelas, também omitidos):

Alguns cenários gerados para as variáveis [O] e [P]

Naturalmente, o mesmo foi feito para as demais variáveis aleatórias do modelo. Executando a simulação para 30.000 cenários, o resultado obtido foi:

Resultados da Simulação de Monte Carlo para o modelo de ROI de uma abordagem de Change Management

Ou seja, considerando o valor do investimento (valor de 7 dígitos, aqui omitido) e 30.000 cenários simulados (na ocasião, executamos um volume de simulações até menor do que o exemplo da sorveteria criado para esse artigo), chegamos à conclusão que o Custo Total da Decisão de não adotar uma abordagem de Change Management no projeto em questão era, em 99.98% das vezes, superior ao valor do investimento na sua adoção. Calculamos também que o Custo Total da Decisão era, em média, 4.9 vezes o valor do investimento, podendo atingir 14 vezes. Neste caso, os benefícios em risco eram tão grandes (valores de 8 a 9 dígitos) frente ao valor do investimento que o resultado foi bastante categórico.

Ao final, ainda fizemos uma Análise de Sensibilidade para entender quais parâmetros aleatórios mais influenciavam o Custo Total da Decisão, mas isso não é indispensável para o uso do modelo.

Conclusão

A Simulação de Monte Carlo é um método simples, mas bastante poderoso na avaliação de problemas envolvendo incertezas. Idealmente, números verdadeiramente aleatórios deveriam ser utilizados, mas a geração de números dessa natureza é uma operação cara (literalmente falando!). Por outro lado, números pseudo-aleatórios (como aqueles gerados pelo Excel) são uma alternativa facilmente acessível e que, em geral, cumprem bem o papel.

Importante também frisar que, como espero que tenha sido notado, essa abordagem depende fortemente da modelagem matemática das variáveis aleatórias. Ou seja, as distribuições de probabilidade consideradas e seus parâmetros afetam diretamente as conclusões oriundas do modelo. Sendo assim, devemos ser sempre parcimoniosos e utilizar as melhores informações disponíveis para modelar as variáveis aleatórias. Isso é fundamental para o sucesso das análises produzidas. Distribuições uniformes, aqui não consideradas, também costumam ser utilizadas quando toda a informação sobre as variáveis aleatórias são as faixas de valores possíveis (ou esperados) para cada uma delas.

Por fim, avaliar o ROI de uma iniciativa de Change Management é apenas um dos problemas onde um modelo matemático como o apresentado nesses dois artigos e métodos estatísticos podem ajudar-nos a sair de um impasse. De maneira geral, é correto afirmar que em um mundo que se torna cada vez mais orientado a dados e fatos, é fundamental que busquemos sempre quantificar as variáveis presentes nos problemas e alicerçar nossas decisões e ações em números. Nesse processo, modelos matemáticos, por mais imperfeitos que sejam, e o são, desempenham um papel central. São inúmeras as técnicas quantitativas que podem ser utilizadas em situações de negócios e seguramente falarei de outras em futuros artigos. Espero que você tenha gostado e possa tirar proveito das ideias aqui expostas. Abraços!

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Paulo Assunção

Mgmt / IT Consultant, Data Enthusiast. I write about management, technology applied to business, Data Science, and my professional experiences. bit.ly/39wA2xZ